Pastora e marido presos no Pará tiveram ao menos 13 pessoas sob domínio deles, diz polícia
04/07/2025
(Foto: Reprodução) Casal foi preso nesta sexta-feira (4) suspeito de submeter uma mulher a maus-tratos físicos e psicológicos, que culminaram na morte da vítima. Nas redes, pastora usava perfil em que publicava versículos bíblicos e mensagens de fé aos seus seguidores. Vídeo mostra prisão de pastora e marido em Belém
A pastora Marleci Ferreira de Araújo e o marido dela, o líder religioso Ronnyson dos Santos Alcântara, presos no Pará por suspeita de submeter uma mulher a maus-tratos físicos e psicológicos que resultaram na morte da vítima, chegaram a formar uma espécie de grupo religioso e a manter mais pessoas em situação de maus-tratos físicos e psicológicos, segundo a Polícia Civil do Pará.
Em determinado momento, pelo menos 13 pessoas viviam sob o domínio dela na mesma residência, informou a polícia.
Em depoimento à polícia, o casal preso nesta sexta-feira (4) negou as acusações. A defesa deles informou à reportagem que ainda não vai se manifestar, pois não teve acesso aos autos, que estão em segredo de justiça. A polícia não detalhou se a mulher que morreu estava entre as 13 pessoas, nem por quanto tempo esse grupo ficou sob domínio da pastora.
A partir dos depoimentos colhidos ao longo da investigação iniciada em maio, a polícia identificou que o casal submeteu outras pessoas a situações de sofrimento, com má alimentação e privações impostas como parte de um suposto processo de “purificação espiritual”. Sob o controle da pastora e do marido, os seguidores eram obrigados a seguir regras rígidas para alcançar essa “purificação” e, caso desagradassem ao casal, eram submetidos a punições severas.
A denúncia foi registrada pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) e o caso está sob investigação na Vara de Inquéritos Policiais de Belém.
"A violência psicológica é um crime um pouco mais complicado da gente configurar. Com os depoimentos, robusteceram a nossa investigação.Com a busca e apreensão de vários documentos que demonstram esse vínculo e essa autoridade que esses pastores tinham sobre a vítima, isso vai robustecer para que a gente possa finalizar esse inquérito e indiciá-los pelas práticas dos crimes", detalhou a delegada Bruna Paolucci, titular da DEAM.
Segundo a Polícia Civil (PC), Marleci atuava publicamente há mais de 11 anos como pastora, terapeuta cristã, sensitiva espiritual, psicanalista e sexóloga, mas sem ter formação em nenhuma destas áreas. Durante o período, ela reuniu diversos seguidores para o que ela chamava de "ministério".
Ainda segundo as investigações, Marleci Ferreira de Araújo também utilizava um perfil falso nas redes sociais, em que se apresentava com o nome de Marcelle Débora e se dizia fundadora do ministério denominado "Torre do poder". Ela publicava versículos bíblicos e mensagens de fé direcionadas aos seus seguidores.
Marleci Ferreira de Araújo e Ronnyson dos Santos Alcântara
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Dinâmica do crime
Conforme relatos de testemunhas à polícia, Marleci usava a autoridade que alegava ter como pastora para construir narrativas que isolavam seus seguidores do mundo exterior.
As pessoas eram induzidas a vender seus bens e entregar os valores ao ministério liderado por Marceli. Ex-seguidores afirmam que a pastora e o marido viviam exclusivamente dos recursos obtidos por meio dos fiéis.
Sob o controle dela e do marido, os seguidores eram obrigados a obedecer regras rígidas para alcançar a “purificação” e, caso desagradassem ao casal, sofriam punições severas.
Entre as medidas impostas pelo casal, estavam o consumo de alimentos estragados, a proibição de tomar banho, humilhações públicas e a exigência de repassar todos os bens ao casal.
Durante anos, Marleci e Ronnyson mantiveram o sustento financeiro com os recursos obtidos por meio dos seguidores, que, segundo relatos, foram enganados por narrativas religiosas baseadas em fé, purificação e religiosidade. O caso teve um desfecho trágico, com a morte de uma mulher.
Relatos de maus-tratos em busca de 'purificação'
Pastora e marido são presos após manterem mulher em cárcere no Pará
Uma das pessoas que relataram maus-tratos, que é sobrinha da pastora, contou à polícia que morou na casa da tia com o então marido e os três filhos.
Durante o período em que viveu no local, disse que todos eram obrigados a realizar tarefas domésticas e a repassar quantias elevadas em dinheiro para o casal, que se apresentava como representante de uma seita religiosa.
Outra mulher também procurou a polícia e afirmou ter sido vítima do mesmo casal. Segundo o depoimento, ela chegou a morar na mesma residência e relatou ter vivido situações graves.
Assim como outros seguidores, disse que era forçada a realizar trabalhos domésticos e foi obrigada a repassar parte do valor obtido com a venda de seus carros para os pastores. Ainda de acordo com o relato, os seguidores eram orientados a abrir mão de todos os bens materiais, não podiam utilizar celular e eram proibidos de manter qualquer contato com a sociedade.
As pessoas relataram também que sofriam com a má alimentação e que todas as privações eram apresentadas como parte de um processo de “purificação espiritual”.
Segundo os denunciantes, Marleci e Ronnyson afirmavam que o isolamento e o abandono dos “prazeres do mundo” eram necessários para alcançar um suposto estado de libertação espiritual.
Vítima morreu por desnutrição severa
Vítima foi identificada como Flávia Cunha Costa, de 42 anos.
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O casal é acusado de submeter uma mulher, identificada como Flávia Cunha Costa, de 42 anos, a maus-tratos físicos e psicológicos, que culminaram em sua morte. Flávia era uma das seguidoras da pastora e foi acolhida na residência há mais de 10 anos. Segundo os familirares, ela vinha sofrendo maus tratos graves por parte do casal.
De acordo com a Polícia Civil, os agentes receberam, no dia 15 de maio deste ano, uma denúncia sobre as condições em que a vítima vivia enquanto morava com o casal. Segundo a denúncia, ela era obrigada a realizar trabalhos domésticos e apresentava estado de desnutrição.
A polícia foi até a casa onde Flávia estava e ela apareceu visivelmente debilitada e com aspecto físico extremamente magro. Ela negou os fatos, alegando manter relação de amizade com o casal e de ser vítima de intolerância religiosa por parte da própria família.
Ainda de acordo com a polícia, diante da negação da mulher, uma inspeção foi realizada no cômodo e constatou condições precárias de moradia, além de indícios de possível alienação emocional - que é um fenômeno psicológico caracterizado pela incapacidade da pessoa expressar ou sentir emoções de forma adequada, gerando desconexão com os próprios sentimentos.
No dia 19 de junho, a Polícia Civil foi informada sobre a morte da vítima, causada por desnutrição grave, conforme apontado pelo laudo médico.
Segundo o boletim de atendimento hospitalar, a mulher foi levada pelo casal ao Pronto Socorro Municipal (PSM) do Guamá. Eles se apresentaram como “vizinhos” da vítima e a deixaram no local sem qualquer documentação.
Após a morte da mulher, a dupla fugiu do local ao ser informado que era necessário registro de ocorrência, por conta da suspeita de morte decorrente de maus-tratos, apontada pela médica responsável pelo atendimento. Diante do caso, eles foram presos preventivamente e são investigados pelos crimes de violência psicológica e maus-tratos com resultado morte.
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