Dia do Historiador: pesquisadores destacam importância da memória amazônica e desafios da profissão
19/08/2025
(Foto: Reprodução) Wilverson Melo (à esquerda); Padre Sidney Canto (à direita)
Arquivo pessoal
No Dia do Historiador, celebrado nesta terça-feira (19), vozes da região amazônica ressaltam a importância de preservar o passado para compreender os desafios do presente. A data marca o nascimento de Capistrano de Abreu, um dos principais intelectuais brasileiros do século XIX.
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No oeste do Pará, pesquisadores destacam que contar a história não é apenas falar do passado, mas também iluminar o presente e projetar o futuro.
Para o historiador Wilverson Melo, docente do Instituto Federal do Pará (IFPA), ser historiador é muito mais do que lidar com datas e fatos: é empreender uma leitura crítica do tempo.
“Ser historiador é buscar compreender as ações do homem no seu tempo vivido. Ninguém acredita que está vivendo no passado, todos estamos mergulhados no nosso tempo presente. Cabe a nós, historiadores, entender como os fatos e as escolhas moldam esse cotidiano”, explicou.
Wiverson Melo, historiador do IFPA
Arquivo pessoal
O interesse de Wilverson pela profissão começou ainda na infância, aos 10 anos de idade, em Santarém. Foi numa aula da professora Conceição Serique, no colégio São Raimundo Nonato, que ele decidiu seguir carreira.
“Ela ensinava história de um jeito apaixonante. Aquela experiência se uniu à minha curiosidade natural, e eu nunca mais tive dúvidas sobre meu caminho”, lembrou.
Para o professor, lembrar do passado não é reviver fatos, mas compreender as escolhas humanas em seus contextos. Inspirado em pensadores como Marc Bloch, Carlo Ginzburg e Deleuze, ele ressalta que a História ajuda a revelar padrões, evitar erros e dar sentido ao presente.
“A grande função social da História é sempre estar disposta a relembrar à sociedade aquilo que ela quer esquecer, seja pela força natural do tempo ou pelas intenções de grupos sociais”, explicou.
Dia do Historiador
Ele alerta que um dos maiores desafios do ofício está justamente no ataque à ciência histórica, por meio de revisionismos e narrativas distorcidas. “Não há uma História única e definitiva. Existem histórias, no plural, versões construídas a partir das fontes que temos. Cada documento é um fragmento de um grande espelho, impossível de recompor em sua totalidade”, afirmou.
Além disso, Wilverson destaca o papel da disciplina no combate à desinformação:
“A História fornece métodos de verificação e análise de fontes. Isso ajuda a sociedade a diferenciar fatos de opiniões, reconhecer interesses por trás de narrativas e desconstruir fake news.”
A memória amazônica em disputa
Na Amazônia, a luta pela preservação da memória é ainda mais urgente. Povos indígenas, comunidades quilombolas e ribeirinhas carregam histórias silenciadas que precisam ser registradas.
Para Wilverson, compreender essas narrativas é fundamental diante de ameaças como desmatamento, grilagem e migrações forçadas.
“Preservar a história desses povos é garantir que suas identidades, saberes e resistências não sejam apagados diante das pressões do presente”, defendeu.
Padre Sidney Canto, presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós
Arquivo pessoal
O padre Sidney Canto, presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTap), reforçou essa perspectiva. Para ele, a identidade amazônica nasceu da pluralidade cultural, fruto de indígenas, africanos e europeus.
“Nossa memória foi construída com conflitos, mas também com colaborações. Preservá-la exige cuidado para não apagarmos as dores e os sentimentos de muitos povos que foram dominados ou mortos”, afirmou.
Sidney lembra que Santarém guarda uma herança marcante dos povos Tapajó, conhecidos como guerreiros altivos e de rica cultura. Mas lamenta que muitas vezes o poder público negligencie essa riqueza.
“Infelizmente, muitos governantes não conhecem a nossa história. Isso entristece, mas também nos motiva a continuar a luta para preservar a memória santarena e amazônica”, disse.
Desafios e futuro da profissão
No cenário atual, os historiadores também precisam lidar com o desafio de tornar a ciência histórica mais didática e acessível a diferentes públicos, sem abrir mão do rigor acadêmico. “Precisamos mostrar que a História não é apenas para especialistas, mas para toda a sociedade, que aprende com ela a construir cidadania”, apontou Wilverson.
Aos jovens que sonham em seguir carreira, ele deixa um conselho.
“Escovem a ciência histórica a contrapelo. Leiam criticamente, busquem fontes diversas e deem voz a mulheres, povos tradicionais e comunidades periféricas. Só assim construiremos uma memória mais plural, diversa e relevante.”
Mais do que datas e nomes
No Dia do Historiador, as falas dos estudiosos reforçam que a profissão vai muito além de memorizar datas ou fatos. É um ofício de resistência, que confronta esquecimentos e questiona narrativas de poder.
“Somos frutos de nossas escolhas. O passado é uma escola que pode evitar que erros se repitam. Mas, para isso, é preciso iluminar, preservar e valorizar nossa memória”, concluiu Padre Sidney Canto.
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